terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

: : não vá se perder por aí : :


Uma coisa é fato: estou sensível estes dias... o choro está fácil, o pensamento livre, o coração aberto, a profissão em crise e os dedos soltos... mas para além do sentimentalismo que anda tomando conta, rs, "Nascidos em Bordéis" é realmente um filme estarrecedor, inspirador e chocante.


Contexto: Deixei o Marcão em casa depois da nossa corrida na lagoa e vinha embora... descabelada, suada e com sede... cantando “Like a Rolling Stone”, sonhando com uma coca-light e pensando no que iria fazer no resto da noite. Resolvi passar na locadora. Procurava algo leve, quase uma desculpa para colocar os pés pra cima e curtir o cansaço da corrida. Algo que me fizesse relaxar, diminuir a velocidade dos pensamentos e que ajudasse minha noite de hoje ser melhor do que a insônia de ontem. (Pois bem... se estou aqui, às 2h30 da manhã é porque tais planos, obviamente, deram errado. Mas conto e justifico por que.)


Entrei na locadora, peguei a sonhada coca-light no freezer e fui direto na sessão de lançamentos – já vi, já vi, já vi, não quero ver, este também não... – resolvi mudar de sessão. Drama – já vi, já vi, nossa, este é ótimo!, já vi, este é ruim, este não quero ver... Arte – já vi, lindo, já vi, já vi, não entendi, o melhor de todos os tempos, dormi, já vi... e eis que surge, escondido entre Laranja Mecânica e Fale com Ela, “N a s c i d o s - em - B o r d é i s”. O filme me escolheu. Não tive opção.


Do que se trata: Uma fotógrafa (se não me engano americana) inicia visitas ao bairro da Luz Vermelha, em Calcutá, para fotografar a vida de prostitutas deste que é o bairro mais pobre da cidade. Zana impressiona-se com a quantidade de crianças vivendo nos bordéis e percebe que há ali uma ainda mais impressionante e desesperançosa história que urge em ganhar visibilidade. O documentário traz oito histórias. Oito máquinas fotográficas entregues a oito crianças filhas de prostitutas. Com as câmeras na mão, instruções de enquadramento e outras noções de fotografias... são orientadas a captar com um clique o que lhes chamassem a atenção. E será através do olhar de cada uma delas que a vida dali será retratada e resgatada. E o resultado é comovente. As crianças ganham voz, sentem-se corajosas e descobrem que é possível se expressar mesmo tão marginalizados. As fotografias são belíssimas: ora dilacerantes de tão tristes, ora otimistas, espontâneas, criativas e alegres. Outro aspecto comovente é o envolvimento da fotógrafa. Para além de ensinar fotografia e dar-lhes voz, ela consegue através desse trabalho abrir uma janela de esperança por um futuro diferente para aquelas crianças. São feitas exposições com as fotografias tiradas por eles e o dinheiro arrecadado revertido para a educação de cada um.


A primeira vez que ouvi falar desse filme foi há uns quatro ou cinco anos durante uma supervisão do estágio que eu fazia na Delegacia de Mulheres de BH. (Prof. Sandra... que exemplo! Que saudade!) O comentário veio em tom de “meninas, este é obrigatório! Vocês se sentirão inspiradas, chocadas... e é isso que eu quero, é assim que eu preciso de vocês... pra dar conta de atender mulheres vítimas de violência tem que levantar bandeira, tem que envolver, tem que ser de dentro.” E eu não estava ali atoa. Hoje percebo que desde então minhas escolhas profissionais já eram também de alguma forma passionais. (Será que conseguirei não me perder por aí? Será que conseguirei unir carreira e satisfação? Trabalho envolvente e bom salário? O que fazer, qual caminho pegar, em qual alternativa investir... para não me perder por aí???)


Voltando... (porque duas crises em 24 horas é inaceitável! rs)... hoje eu entendi o que ela quis dizer ao citar “Nascidos em Bordéis” naquele dia. O filme me tocou de uma maneira muito especial. Ele resgata nossa vontade de mudar o mundo, mesmo que seja só um pedacinho, mesmo que seja o mundo perto da gente... mesmo que seja o mundo de quem sofre ao nosso alcance. Ainda durante o filme comecei a elucubrar qual poderia ser a minha próxima bandeira. Não tem jeito... “quando nasci, um anjo esbelto desses que vive na sombra disse: vai carregar bandeira!” (Adélia Prado). Ou seja, posso até me dar bem na “Psicologia de ar-condicionado”, mas o que realmente me dá um frio na barriga e me faz arrepiar é o “mão na massa”. Foi assim na Delegacia de Mulheres, no Internato Rural em São Romão, no Centro Socioeducativo... todos estes foram um “mão na massa” inspirador, transformador e punk. Claro. P u n k. Mas se não for, que graça teria? Rs.



Fiquei profundamente inquieta.

Inquieta, mas feliz.

Feliz por saber que tem gente levantando bandeiras por aí.




Ps: Será que hoje eu durmo?


3 comentários:

  1. Oi Flor!!! Não sei se dormiu... espero que sim! Mas que me deu uma vontade louca de ver este filme, com certeza.
    Sei bem do que falas e ás vezes sinto que levanto bandeiras de mais e nem sei se estou conseguindo levá-las a frente... Mas as crises são boas também e você sabe disso. Transforma, revigora, faz crescer!!!!!

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  2. É por aí mesmo Ju.

    Olha que bacana mais este fragmento do poema da Adélia Prado que citei:

    "Aceito os subterfúgios que me cabem,
    sem precisar mentir.
    Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
    Inauguro linhagens, fundo reinos
    - dor não é amargura."

    Que venha a crise, o processo, a fase... a gente sabe que passa... não tenho medo não... mulher-jagunço! rs, rs.

    Um beijo.

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