quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Eu queria ser m u s i p o e t ó g r a f a.

"O menino ia no mato.

E a onça comeu ele.

Depois o caminhão passou por dentro do corpo do menino.

E ele foi contar para a mãe.

A mãe disse: Mas se a onça comeu você, como é que o caminhão passou dentro do seu corpo?

Olha mãe, eu só queria inventar uma poesia.

Eu não preciso de fazer razão."

(Manoel de Barros, “Infantil”)







Eu queria ser musipoetógrafa. Misturado. Confuso. Embaralhado. Atrapalhado. Esquisito assim. Estranha assim. Sem fazer muito sentido. Sem precisar de fazer razão. Sem rumo certo. Sem passo certo. Velocidade “passeio”... despretensioso perambular de turista entre verso, imagem, nota, revelador, pausa, poesia, quadro, clave, filme, música, máquina, partitura, lápis, megapixel, cifra, verso, moldura, instrumento, papel, escrita, voz, a percepção... e o vento. Musipoetógrafa. Completa assim.



“Difícil fotografar o silêncio.

Entretanto tentei. Eu conto:

Madrugada a minha aldeia estava morta.

Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.

Eu estava saindo de uma festa.

Eram quase quatro da manhã.

Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.

Preparei minha máquina.

O silêncio era um carregador?

Estava carregando o bêbado.

Fotografei esse carregador.”

(Manoel de Barros, “O fotógrafo”)



Música, poesia e fotografia: instrumentos de tentativa de imobilização e internalização de um viés do presente. Por que viés? Porque cada uma apreende e dá um sentido àquilo que vê, que sente, que ouve, que vive. Cada coisa ressoa de maneira peculiar dentro de cada um. Congela-se uma idéia do presente - presente imobilizado. Internaliza-se um símbolo do presente - o presente subjetivamente internalizado. Uma poesia não é mesma para todo mundo. Ela não pretente ser a mesma nem para determinada pessoa na segunda, terceira, quarta vez que lida. Não é a mesma se lida em silêncio ou recitada num sarau. Uma foto não é a mesma hoje e daqui tantos anos. Não é a mesma se a sensação que ficou ao ser tirada continua ou se o tempo passou e com ele outras coisa se foram. Uma música não é a mesma para quem compôs e para quem canta num show. Não é a mesma para quem ouve no rádio ou numa serenata. "Something", "Eu sei que vou te amar" e flores na janela do quarto... um ano e meio depois... os significados são outros. A abertura é outra. Hoje, borboletas no estômago . (Ps: Haverá recompensa.) A fotografia, a poesia, a música... mudam com o tempo. Mudam com o olhar. Mudam a partir da mudança dentro da gente. O tempo passa. A gente afina e desafina. Muda-se o viés. Por isso existe música, poesia e fotografia. Tem coisa que é de escrever, outras fotografar e ainda há aquelas que só a música nos faz sentir.


“quem dera um fosse um músico

que só tocasse os clássicos,

a platéia chorando

e eu contato os compassos.

se eu soubesse agora,

como eu soube antes,

a dança alegórica

entre as vogais e as consoantes!

(Paulo Leminski, “Quem dera eu fosse  músico”) 



M u s i p o e t ó g r a f a

Eu queria os três

Assoviar melodias

Inventar poesia

Fotografar carregador

Mesmo sem fazer razão





Um comentário:

  1. Por onde você anda que nunca te vi na rua? Como assim tem uma setelagoana como você por aí e eu sem o prazer de conviver??? Apareça, Flor de Leminski.

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